http://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/2015/07/22/gastronomia-ou-supersticao/
Aproveitando mais um exemplo de como é fácil manipular a informação, eis um artigo publicado pela revista Veja, em que o colunista Leandro Narloch, o “caçador de mitos”, se encarrega usar inicialmente a recomendação da apresentadora Bela Gil para a escovação dentária com cúrcuma, mas logo entrando na questão dos aditivos e agrotóxicos e sua relação com incidência de câncer, este sim, mote do artigo todo.
Concordo com ele quando diz que “pouca gente levou a sério a recomendação da chef e apresentadora Bela Gil de usar cúrcuma para escovar os dentes. Mas outras opiniões da chef, como a de que os fertilizantes, agrotóxicos e produtos industrializados prejudicam a saúde, têm milhões de adeptos.” É mesmo importante que um comunicador seja cuidadoso e que não caia na tentação do senso comum de criminalizar os alimentos industrializados e colocar tudo que é “natural” como a panacéia dos males do mundo moderno. “Natural”, entre aspas mesmo, pois a definição do que é natural é bastante vaga e controversa (para não me alongar nisso, que não é o foco do post, a quem desejar saber mais sobre o que é “natural”, o que é isento de “química”, etc, sugiro a leitura dos livros do professor Carlos Alberto Dória, em especial “A Culinária Materialista”).
Voltando ao artigo da Veja, não compensa nem entrar no mérito de quais interesses estariam por trás dessa defesa gratuita do uso de agrotóxicos, o que acho mesmo importante questionar aqui é quando ele diz que “se fosse verdade que aditivos e agrotóxicos não são seguros, a incidência de câncer estaria explodindo, mas a taxa de quase todos os tipos da doença caiu ou ficou estável nas últimas décadas. A maior redução ocorreu justamente nos tipos de câncer do aparelho digestivo, provavelmente porque a popularização da geladeira e dos conservantes garantiu às pessoas alimentos mais frescos.” e disponibiliza um gráfico de Taxa de Mortalidade de diversos tipos de câncer em indivíduos do sexo masculino, de 1930 a 2008.
O colunista disponibiliza o estudo (http://www.cancer.org/acs/groups/content/@epidemiologysurveilance/documents/document/acspc-031941.pdf). Começando pelo fato de que incidência de câncer e taxa de letalidade de câncer são coisas bem diferentes e ele não distinguiu. Mas, voltando ao estudo, que eu disponibilizo alguns trechos que tomei a liberdade de traduzir, “o aumento na taxa de sobrevivência reflete tanto o progresso no diagnóstico de certos cânceres em estágio inicial quanto melhorias no tratamento. Segundo, fatores que influenciam na sobrevivência, tais como protocolos de tratamento, outras doenças, e diferenças biológicas e de comportamento de cada indivíduo, não podem ser levadas em consideração na estimativa de taxa de sobrevivência relacionada… Enquanto tendências temporais nos fatores de risco (em particular, no aumento recente da obesidade nos EUA) podem ser plausivelmente ligadas a um número desses cânceres, outros fatores como aumento do diagnóstico por imagem também podem ser importantes, ainda que a precisa natureza e contribuição relativa desses e outros fatores permaneça sem esclarecimento.”
Ou seja, a incidência de câncer está aumentando, porém, felizmente, a taxa de letalidade também aumentou graças aos avanços no diagnóstico precoce e no tratamento. Não se pode dizer que a aquisição de geladeiras ou aditivos tem qualquer relação com o câncer, especialmente tratando o índice de letalidade como se fosse o da incidência da doença.
E o Caçador de mitos, que diz dar uma visão politicamente incorreta da ciência, deu mesmo uma visão cientificamente incorreta e distorcida da ciência. E tem muita gente que acredita nele…